Movimento busca frear avanço da pesquisa mineral e garantir a proteção ambiental com participação direta das comunidades.
Por Mateus Britto
Comunidades rurais e urbanas de Itarantim, no sudoeste da Bahia, lançaram no último dia 10 uma campanha para mobilizar uma Lei de Iniciativa Popular que proteja as serras, nascentes e áreas de recarga hídrica do município de atividades de alto risco ambiental.
A proposta surge como resposta aos impactos socioambientais causados pela mineração e ao temor de que a atividade avance sobre territórios essenciais para a sobrevivência das comunidades tradicionais e da agricultura familiar.
A campanha foi discutida no seminário “Vamos salvar as serras e as águas – um debate sobre a proteção das serras de Itarantim-BA”, organizado pela Comissão Popular de Meio Ambiente do município, organização autônoma que reúne representações de vários setores da sociedade itarantiense, com o apoio da Articulação Rio Pardo Vivo e Corrente, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS).
A constituição de uma Comissão Popular e a proposta da lei são encaminhamentos de uma Audiência Pública realizada em agosto de 2024, após denúncias de comunidades sobre a atuação de uma empresa de pesquisa mineral em áreas sem a autorização de proprietários.
O processo envolveu comunidades rurais e também a população urbana, através de associações, igrejas e escolas, preocupadas com a falta de informação sobre os processos minerários do município e com os possíveis impactos da atividade.
Agricultura familiar, pecuária e vida no campo em risco 55632y
Conhecida por sua forte produção pecuária e agrícola na região sudoeste da Bahia, o município de Itarantim vê a sua produtividade ameaçada pela especulação mineral, principalmente pela pesquisa de nióbio e lítio. Dados do IBGE (2022) revelam que o município abriga um rebanho de mais de 160 mil cabeças de gado, responsável pela produção anual de 45 milhões de litros de leite.
Além da pecuária leiteira, a agricultura também é um destaque, com safras de cana-de-açúcar – cerca de 5 mil toneladas por ano – e mandioca, que ultraam 300 toneladas anuais. Aliada a outras culturas e à produção de itens como a cachaça, a agricultura familiar e a pecuária são a principal atividade econômica do município, representando cerca de 35% do Produto Interno Bruto.
A coordenadora do MAM, Adrielly Regis, explica por que a produção camponesa pode estar ameaçada: “a mineração é uma atividade de forte impacto hídrico, independente de onde se instale, seja pelo alto consumo de água para processamento e separação do minério, por meio do rebaixamento do lençol freático durante a etapa de extração ou através da contaminação das águas causado pelos rejeitos.”
Segundo Maicon Leopoldino (CEAS), “isso significa comprometer toda a produção das comunidades, pois as empresas pretendem minerar justamente nas serras, locais onde estão concentradas as mais importantes nascentes do município.” O assessor ainda afirma que, “considerando que mais de 50% das terras de Itarantim são pequenas propriedades, caso a mineração se instale teríamos além de um impacto ambiental, um impacto econômico sem precedentes, refletindo na diminuição da produção de alimentos e na insegurança hídrica da população.”
Para Adrielly, a atividade além de impactar as economias das comunidades, “causa sérios riscos à saúde, através da intoxicação por metais pesados, problemas respiratórios, câncer e problemas relacionados ao estado psicológico das pessoas, sobretudo as mulheres que são as mais sobrecarregadas no processo de cuidado”, arremata.
Luís do Mandim, presidente da Associação da comunidade Mandim de Cima e membro da Comissão Popular de Meio Ambiente alerta que o projeto da mineração vai de encontro aos interesses das comunidades: “a mineração vai causar um impacto ambiental grande pra nós produtores, causando impacto nas serras, nas águas, nos minadores e a gente depende dessa água pra molhar as plantações, depende pro que a gente produz. Como é que a gente vai viver sem a água?”
Segundo o agricultor, algumas comunidades vêm avançando na produção de alimentos saudáveis e desenvolvendo atividades como cercamentos para proteger nascentes, construção de viveiros de mudas, mutirões de plantio e espaços de formação sobre a produção agroecológica.
O agricultor teme que a atividade cause a expulsão da população rural e enfatiza: “a gente que tá no campo não quer sair pra cidade”. Segundo a liderança, os efeitos do êxodo seriam lastimáveis, especialmente para a população idosa: “se a gente abrir as portas para as mineradoras o que vai acontecer com o homem do campo é ele adoecer com o impacto ambiental e ter que ir embora pra cidade, onde muitos agricultores de idade não iriam aguentar”, insiste.
Mobilização popular e defesa do território 2k6c3m
De acordo com denúncias divulgadas no Observatório Rio Pardo Vivo e Corrente, a mobilização popular começou quando uma empresa de pesquisa começou a adentrar áreas em comunidades sem o consentimento dos proprietários ainda em 2024. Na ocasião, moradores da comunidade Água Vermelha fizeram um piquete para exigir da empresa de pesquisa explicações sobre os procedimentos. A ação culminou na expulsão da empresa da área.
Após a audiência pública “Pesquisa e Mineração nas Serras do Entorno da Cidade de Itarantim-BA”, outras comunidades seguiram o exemplo de Água Vermelha e negaram autorização para a empresa pesquisar dentro das propriedades. Mirian Silva (CEAS) afirma que “esse foi um exemplo importante para as comunidades, pois as empresas não costumam explicar para a população do que se trata a pesquisa, como será o procedimento e qual o projeto futuro da mineração naquele território.”
A assessora ressalta que esse exemplo de resistência “mostra para as comunidades que elas não são obrigadas a permitir tais procedimentos e que elas têm o direito de serem previamente informadas e consultadas, sobretudo quando se trata do futuro do território”.
A audiência motivou as comunidades a formarem a Comissão Popular de Meio Ambiente, onde estão representadas comunidades rurais, associações da zona urbana, setores da igreja católica e protestante, além de estudantes e profissionais da educação básica.
Aliando mobilização popular e incidência institucional, a Comissão apresentou para a sociedade itarantiense a Lei de Iniciativa Popular, que tem como objetivo transformar as serras em patrimônios naturais e paisagísticos.
De acordo com Maicon Leopoldino, “a proposta segue os princípios da democracia participativa, permitindo que a população apresente projetos de lei diretamente à Câmara Municipal, com o respaldo de no mínimo 5% dos eleitores.”
O assessor ressalta que a lei não visa proibir a mineração no município, mas “resguardar as principais serras e montanhas, zonas de produção, áreas de recarga hídrica dos principais rios e córregos, além das reservas subterrâneas de água.”
Maicon, que também é engenheiro agrônomo, explica que essas restrições não são exclusivas à mineração, “mas também preservam essas áreas da aplicação de agrotóxicos proibidos ou considerados ‘extremamente’ e ‘altamente’ tóxicos” de acordo com classificação da ANVISA.
Dona Helena, moradora da zona urbana de Itarantim relatou que há grande aceitação da sociedade na coleta de s: “teve gente que me falou assim,. ‘pode mais de uma vez?’ e eu disse ‘não, não pode’ [risos], mas o pessoal tá bem interessado.”
A liderança comunitária, rememora a mobilização ocorrida no município em 2012, quando a população propôs e aprovou uma lei de iniciativa popular para impedir o monocultivo de eucalipto: “eu tô achando mais interesse [agora] de que no abaixo-assinado que a gente fez pra não vir o ‘deserto verde’ [..], o povo tá muito mais interessado. Graças a Deus por isso, porque basta de tanta doença.”
Movimento pela Soberania Popular na Mineração
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